Às vezes eu leio autênticos romances de cordel sobre o amor desmesurado, a paixão desmedida, o instinto imediato que é lei absoluta e inequívoca, o rush de emoção a cada olhar desde o primeiro momento em que mães extremosas põem a vista em cima dos seus filhos recém-nascidos, que eu poderia ficar a pensar que seria menos mãe por o meu amor ter nascido com calma, sem arrebatamentos, sem rushes de paixão, mas gradualmente e como uma coisa natural, tranquila. Simples.
Quando o meu filho tinha meses de idade o meu sentimento era de muito amor, mas a verdade é que não me limitava a amá-lo, contemplá-lo, aspirá-lo, todos os momentos de todos os dias. Nem isso era real, nem seria exequivel, nem eu queria para mim. Eu não queria estar de roda do meu filho o dia todo e eu não podia, mesmo que quisesse. E isso nunca faria o meu amor ser menor, ou menos autêntico.
A verdade é que eu também me ocupava muito de outras coisas mais mundanas como por exemplo... eu ou o meu trabalho. Ou ainda desencantar a melhor forma de o fazer dormir ou comer ou não chorar e isso não poderia passar apenas pelo que me ditava o instinto - embalá-lo eternamente nos meus braços era mais uma cena camiliana que não poderia passar para a realidade do dia-a-dia e do crescimento saudável dele e sustentável para mim, era mais que evidente.
Quando o Pedro finalmente adormecia eu queria finalmente fazer alguma outra coisa, eu queria ir à minha pessoa, às outras pessoas, ao meu trabalho, à internet, à televisão, aos livros, e, pasme-se, muitas vezes infelizmente para ler sobre coisinhices de puericultura, porque o meu instinto maternal não é instinto, é intuição, e essa intuição, essa reacção instantânea nasce de um palpite que vem do inconsciente e é criado pelo saber acumulado.
Por isso, ler esse relatos camilianos não só me parece um pouco exagerado, um pouco histriónico, a ponto de só me apetecer dizer - menos querida, menos! - mas sobretudo deixa-me um pouco preocupada por quem, não tendo filhos, ou mesmo tendo filhos, acha que esse filtro cor de rosa neon é lei, e se sinta mal por o seu amor ser... Calmo. Sereno. Natural. Ou ainda não o sentir como amor, mas como laços que se criam e levam o seu tempo a criar, com um pequeno ser estranho que gerou mas que tem uma existência própria que foge ao seu conhecimento. E isso lhe cause medo, inquietação e reserva perante esse pequeno ser seu, mas ainda um doce desconhecido.
Também me inquieta por quem ainda não sinta (ou nunca sentiu) esse tal do institino maternal como a voz da sua consciência, quem não o oiça a cada passo, quem se sinta com dúvidas, receios, inseguranças e sem patavina de ideia sobre o que fazer acerca algo que lhe parece básico ou muito complexo.
Ninguém se sinta mal se o que sente pelo seu filho for um amor calmo e não um êxtase contínuo. Se as úncias taquicardias que sintam sejam quando o miudo faz asneira da grossa ou se põe em perigo, não quando o contempla a dormir, ou quando o enche de beijos. Se nessas alturas, não sente o coração a explodir de paixão, mas apenas alegria e contentamento, divertimento, nada de excessivo e arrebatador.
Ninguem se sinta mal se não têm o diabo do instinto maternal afiadissimo e sempre a falar dentro de si, qual grilo falante, a comandar cada acto do seu dia, a dar certas e inequivocas decisões sobre tudo.
Tudo isso mais me parece esquizofrenia do que natureza.