Aqui fica,
Um Divórcio, o Meu Divórcio
Quando planeamos ter um filho, temos por base toda uma vida que é a que construímos. Primeiro, um casamento, ou um companheiro. Depois, uma casa. Finalmente um emprego. O que sucede quando tudo isso desaparece é ficarmos sem chão, com a vida roubada. E com um filho no meio.
Foi isso que sucedeu em 2012. Ao fim de uma relação longa, a separação. O meu filho tinha então sete meses.
Fui
eu que saí de casa. Lembro-me de entrar pela última vez naquela sala,
de uma casa adquirida pouco tempo, e onde era suposto envelhecer rodeada
de crianças. Fechei a luz, e saí. Arrastava um saco enorme, com a
banheira do meu filho, alguns brinquedos, e um grande buraco cá dentro.
Refugiada em casa dos meus pais, acordava todos os dias com uma sensação de um vazio e dor profunda. Como é que isto tinha acontecido? A
rapidez dos acontecimentos, do desmoronamento, ultrapassava qualquer
capacidade de compreensão. Ao mínimo choro do meu filho, passava-o para a
minha cama. Era eu quem necessitava disso, não ele. De sentir o quentinho do corpo, a respiração dele a aquecer-me o peito.
Nos primeiros tempos, o mundo dizia: ah, vocês vão voltar. E eu vivia dessa esperança. Ansiava sinais. Pode ser que ele assim sinta a minha falta. Pode ser que ele me peça para voltar. fazia as minhas escolhas em função disso. Mas nada. Silêncio. Só queria saber do bebé. Eu deixara de existir.
Entretanto, começa a busca por um outro sítio
para ir viver. Passei a ser a mulher recambiada em busca de um T2 para
arrendar. Recebida por casais em busca de casas maiores.
Encontrei
um apartamento. Com a ajuda de pais e irmãos, fiz as mudanças. Do pai
do meu filho, nenhuma reacção. A esperança de reconciliação aparecia
cada vez mais longínqua e improvável.
As reacções do mundo eram perturbadoras.Ninguém acaba uma relação tão longa assim, de um momento para o outro! E ainda mais com um bebé tão pequeno! E uma casa nova! O
mundo quer explicações, razões concretas. O mundo não se conforma. E
todas as explicações parecem pequenas na minha boca, perante a
enormidade da coisa. O mundo fica em choque. Mas vocês eram o casal perfeito!!!! De repente, sou eu a consolar o mundo, o mundo todo, do grande desgosto que o mundo sofreu por o meu conto de fadas ter terminado.
Nesses tempos, deixei de ser mãe. Os avós passaram a ser os pais .
Não conseguia encaixar o meu bebé naquela vida nova. Até podia
organizar-me para esquecer uma relação de décadas. Mas, o que fazia ao meu filho? Qual o lugar dele no meio daquilo tudo? Ele
pertencia a uma vida que já não existia. Olhava para ele e, mais uma
vez, sentia-me muito baralhada. Muito confusa. Assustada. Percebia que
ele ficara para sempre. Sentia-me culpada. Não conseguia ser mãe assim.
Se era para ser livre, procurar novas pessoas, o que fazer àquele pedaço
da vida antiga?
Os tempos que se seguiram oscilaram entre a depressão e uma euforia por estar semi-livre.
Um
dia comecei a olhar para uma pessoa que muito gostava de outra forma.
Uma pessoa que começou a lutar por mim. Por mim como mulher. Por mim
como mãe. Uma pessoa que valia mesmo a pena.
E eis que, então, ressurge o marido. Sem o admitir, sem o pedir expressamente, quer que eu volte. E
porque eu errei, mas tu também erraste. E porque temos de pensar no que
é o melhor para o bebé E porque me faz confusão ele passar a estar
mais tempo com outro homem do que comigo. E porque estás a ser egoísta,
Blá blá blá. Nunca me disse que me amava. Mas tocou sempre no meu ponto fraco: o melhor para o bebé era voltarmos. Foram muitos meses confusa. Sentia-me dividida entre o que seria melhor para o meu bebé e o que seria melhor para mim. Voltar para um casamento que me trouxera infelicidade, ou fazer o meu filho infeliz para toda vida por ter os pais separados? A confusão era enorme, perturbadora, barulhenta.
As opiniões divergiam. Ouvi que a felicidade do filho depende da felicidade da mãe.Ouvi que o valor da família se devia sobrepor. Ouvi que um divórcio nesta idade seria melhor que mais tarde. Ouvi que hoje em dia os casais não fazem esforço nenhum para estarem juntos. Ouvi que finalmente tinha alguém que me amava a sério. Ouvi que as crianças necessitam é de estabilidade.
Percebi que viver de acordo com as expectativas dos
outros só poderia trazer infelicidade. E assim optei pelo divórcio. E
pela pessoa que, afinal, me tinha salvo do precipício.
Mas o
pai do bebé não estava preparado para ser eu a decidir,muito menos
decidir aquilo. E assim começou mais uma etapa deste longo e excruciante
processo. Coisas que sempre ouvira, passei a sentir na pele. As pessoas
transfiguram-se, mesmo, com o divórcio. As pessoas usam, mesmo, os filhos como arma de arremesso.
Todos os dias discussões lancinantes ao telefone, em que frases como as seguintes eram proferidas: Tu é que queres o divórcio, não levas pensão de alimentos nenhuma, nem para ti nem para o bebé. Ah ficaste sem emprego? Pensasses nisso antes, Se
queres o divórcio, quero guarda alternada. Ou é assim, ou vamos para
litigioso. Quero-te ver no litigioso, vais andar anos amarrada a este
casamento.
Nesses momentos, tudo se diz, tudo se pondera, e quase ninguém ajuda. Pais de um lado: cala-me esse indivíduo e procura um advogado. Marido do outro: Temos de resolver tudo a bem, pelo bebé. Que é como quem dizia: ou é como eu quero, ou litigioso connosco.
E pelo bem do bebé, e pela ânsia de ver fim da coisa, lá se vão assinando papeis.
O mundo critica. Mas és tótó???? O bebé não tem pensão de alimentos? Mas és tótó? Ele fica com a casa? Mas és tótó? Ele fica com a mobília toda?
Mas o que interessa naquele momento é acabar com o pesadelo todo. Continuar com a vida para a frente. Voltar a ser mãe.
E
eu sabia que podia mudar tudo depois de ter o divórcio. Era essa a
minha meta. Acabar com aquilo tudo. E depois, se necessário, reponderar a
regulação do poder paternal.
O mundo ainda hoje critica muitas das minhas escolhas. O mundo diz que não lutei o suficiente. Que fui tótó. Que o bebé fica muito tempo em casa do pai. Que ele é muito pequenino para passar fins-de-semana sem a mãe.
E eu... eu ainda tenho muitas dúvidas.Estou a apalpar terreno
pantanoso com muito cuidado. A aprender, todos os dias, esta vida
nova. Aprender a ser divorciada. A tentar ler sinais no bebé, a tentar
perceber se ele sofre, se ele está bem. Ainda tenho muitas, muitas
marcas profundas de um ano com desilusões, mágoas, lutas, desconfianças.
Marcas que tento que não assombrem a minha nova relação. Também aí
estou a reaprender a ser namorada. Reaprender a ser mãe, quando era mãe
há tão pouco tempo. E aprender a ser mãe de uma nova família, com os
dois filhos dessa nova pessoa...
Com um filho, um divórcio nunca é total. Todos os
dias os pais têm de falar. Terá de haver sempre pequenas
concessões.Sempre decisões em conjunto. Tentar, a bem do bebé, o mínimo
de entendimento. Gerir um equilíbrio muito periclitante, entre o
respeito e o marcar da nossa posição.
Mas a vida está a recomeçar. Com a esperança de que seja melhor. Porque foi a que eu escolhi. Porque acredito que me fará feliz. E por isso será melhor também para o meu filho.
20 comentários:
ML, gosto verdadeiramente destes "posts". Muito mais do que "voyeurismos", acho mesmo que podemos aprender muito com quem passa e ultrapassa estas experiências. Thanks for sharing!
reconheci-a de imediato :) uma corajosa pela dificuldade que passou. Racionalmente não compreendo as concessões que fez, emocionalmente compreendo bem a necessidade imediata de livrar-se do pesadelo em que lhe estão a transformar a vida.
Força A., tens toda uma vida linda pela frente e desta vez com quem gosta de ti:)
Parabens pela escolha...
Sem duvida a escolha m ais acertada
Aquela que te faz e fará feliz...
Beijinhos
Muitos Parabéns por esta rubrica Ml!! E muitos parabéns a esta mulher/mãe pela coragem que teve em aceitar ser feliz! Esta história diz-me muito porque eu própria vivi esta situiação enquanto filha! Tinha 8 anos e assisti e ouvi discussões, chantangens... enfim, uma criança não tem que psssar por estas coisas! Mas vale enquanto são bebés!
Um beijinho*
Que testemunho impressionante!
O divórcio é algo que me assusta bastante, não porque sinta o meu próprio casamento em risco (acho eu!), mas porque tenho consciência de que é um risco a que todos os casais estão expostos, inevitavelmente.
Fiquei particularmente emocionada com as dificuldades relacionadas com a manutenção do papel da maternidade, quando o mundo que lhe deu origem desabou...
Obrigada pela partilha!
Que história de coragem! Beijinhos cheios de força!
Apenas te quero mandar um abraço, daqueles apertados, posso?
Jamais deixes de acreditar!
Um beijinho muito grande para esta mulher, esta mãe, que optou com coragem e a pensar numa felicidade futura. Os meus pais nunca se divorciaram por nossa causa, mas eu acho que teríamos sido todos muito mais felizes se cada um deles tivesse reconstruído a sua vida separadamente. Não íamos deixar de ser uma família que se ama por isso. Bjs
Que murro no estômago. Parabéns pela escolha que fez, a do amor (é raro acontecer, tem de aproveitar). Porque a escolher o marido (que não a amava) só estaria a adiar esta decisão. O filho há-de ficar bem e agora num lar mais estável e com mais amor.
murraça no estômago esta estória...
Realmente é de louvar a tua humildade de querer aprender com os outros. Nós só temos a agradecer por patilhares e podermos aprender um pouco mais tb.
Força A.! És uma vencedora por teres conseguido superar tudo isto!
Uma história que me toca porque ainda hoje luto por um casamento pelo bem do meu filho. Não sou feliz de momento, já equacionei se o seria separada mas penso nos problemas que vêm com um divórcio, no estar separada do meu filho por alguns dias por semana e vou tentando mais um pouco resgatar este casamento. Espero voltar a ser feliz!
E espero que a tua história dê certo e que esta tua nova família seja muito feliz :)
Suri
Também a reconheci. Acho-a muito corajosa, pois nem todas têm coragem de procurar a felicidade pondo para trás das costas o que já tem como "garantido". Ainda para mais, com um filho nos braços...
Escreveu toda uma realidade, tambem a vivi (mas sem a parte do filho como arremesso) e digo-lhe que as palavras que escolheu descrevem lindamente todos os sentimentos que assolam os divorcios....o fim dos sonhos.
Muita força. E tal como num comentario mais acima percebo emocionalmente as concessoes que fez, embora racionalmente nao. Mas TUDO de BOM para si!
Impossivel não reconhecer...foste uma corajosa A.!
Mereces toda a felicidade do mundo!
Beijinhos
PS: Obriga ML por estes testemunhos tão reais! :)
Também a reconheço. E dói ler isto, mesmo fundo. Mas o que importa é dar a volta por cima, e como foi dito no post mais recente, quem estiver presente que esteja mesmo, para valer.
Só quero enviar um abraço apertado com muita força, de quem passou pelo mesmo ( o meu caso foi e continua a ser um pouco pior, mas é td mto parecido), mas com um bebé de uma semana..e que ainda hj sofre horrores com agressões verbais, por parte do pai do filho..Revi-me tnt na tua história.Espero que fiques bem, e que sejas mto, mto feliz..Tu, o teu bebé e a tua nova família.
<3
Também passei pelo mesmo, sem filho, é certo. Muito mais fácil mas foi uma situação muito difícil. Sobrevivi. Hoje sou mãe e feliz. Tudo de bom!
Um grande beijinho pela coragem e força que demonstrou!!
No dia em que muda de opinião acerca da pensão, procure um advogado! Tem direito a ela! Se um dia quiser pôr esse filho a estudar na Universidade e não tiver dinheiro para o fazer sozinha, antes de lhe concederem a bolsa de estudos, vai ter que regularizar essa situação. "Se não tem dinheiro, porque prescinde de pensão de alimentos? Afinal precisa!" - é o que lhe dirão.
Por isso, e porque com o tempo ficará mais forte, quando mudar de ideias, procure ajuda de um advogado.
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